segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

NATAL 2011 em Napipine

Nestes dias de Natal, tenho recebido da Europa muitos emails e mensagens de telemóvel, frases feitas, slogans batidos. Até um email com uma imagem do presépio e por baixo vinha escrito feliz natal de 2010. É isso. A pessoa foi buscar a mensagem que mandou o ano passado e nem se deu ao trabalho de mudar a data. É natal repetido.

Aqui em Napipine, bairro de Nampula com quase 100.000 habitantes, tudo é diferente, novo, criativo.
Nas vésperas de Natal, pediram-me para ajudar a confessar. Deixei de lado os trabalhos da universidade e virei só pastor, padre. Interessante as confissões. Quando terminavam a lista dos pecados em português ou macua, diziam: terminei de falar. Para mim era óptimo. Assim sabia quando terminavam, pois macua não é o meu forte.

Cá o P. Ricardo dizia que na missa da noite de Natal, entrávamos às escuras e depois acendia-se a luz. Pois. O problema é que desapareceu a luz pelas 18.00 horas e a missa era às 20.00h. Entrámos às escuras, glória às escuras e por aí adiante. Eu ia aguentando a lanterna que trouxe da Decathlon para o P. Elias poder ler as orações.

Na escuridão, proferiu uma homilia toda encarnada e inculturada, não fosse ele o melhor etnólogo da região. Entre outras coisas dizia… o boi no presépio respeita o seu dono, mas o burro respeita quem lhe dá de comer. Para bom entendedor…
E assim tudo prosseguia na escuridão, mas muito animado com cantos e danças. Sim. Estou a falar da Eucaristia da noite de Natal.


Quando estávamos na acção de graças veio a luz. Ainda bem. Antes de acabar a missa veio o homem dar os avisos. Entrou preocupado dizendo que durante a missa que foi às escuras, roubaram o menino Jesus do presépio e pediu que restituíssem o menino Jesus ainda ali na celebração. Roubaram o menino Jesus de Napipine? Todos na igreja soltaram um grito de espanto. Mas eis que de repente, aparece um acólito com o menino na mão. Todos queriam saber quem tinha sido o ladrão. Então o P. Ricardo foi ao microfone e disse que não tinha sido roubado. Apenas estava no armário da sacristia.
Acabada a missa, viemos para casa, onde comemos um bacalhauzinho, enviado pelo correio pela Stela, de Loulé, de Portugal. Eu, o P. Elias, o P. Emílio e o P. Ricardo não deixamos nada na travessa. Segundo o P. Ricardo, grande cozinheiro, o bacalhau esteve muito tempo de molho. Eu, cá para mim: muito ou pouco, comi e estava bom.




Dizia o P. Elias em tom de quem gostou do bacalhau: sabe sempre a aperitivo…
E depois de nos dar a cada um pequeno presente, trazido pelas irmãs salesianas, fomos repousar que o dia de Natal ia ser duro.
(…)
No dia de Natal, os outros três padres saíram para celebrar o Natal noutras comunidades. A mim coube-me em Napipine, na paróquia de S. Pedro às 8.00 horas da manhã. Tinha um pequeno acrescento: é que eu tinha que fazer 41 baptizados, segundo o P. Ricardo. Lá fomos para a celebração. A igreja estava cheia. Pudera. Dia de Natal. Napipine. Baptizados. Tudo isto ajuda a encher ainda mais.
Tudo estava perfeitamente organizado. Parece-me que temos de aprender não só como as formigas fazem o moché, mas também a organização dos moçambicanos. Até havia um segurança, com a identificação a pôr as pessoas em ordem na igreja.

Quando chegou a altura dos baptizados, todos eles se colocaram em fila no corredor da igreja. Comecei por juntar dois ritos: o sinal da cruz na testa e a unção pré-baptismal.
Fazia primeiro eu, depois mandava os pais e padrinhos. A uma certa altura via só homens a fazer o sinal da cruz. Perguntei: e a mãe? Já morreu, disseram. Calei-me interiormente. Mais à frente já depois de uns tantos sinais, talvez por cansaço, já ia fazer o sinal da testa da mãe em vez da criança. Às vezes, mandaram-me parar, porque eu não tinha reparado que estava uma criança no meio deles, aos meus pés…algumas crianças gritavam, outras estavam caladas e outras a dormir… nesse aspecto não difere da Europa.

Depois do sinal da cruz eu ungia com o óleo pré-baptismal. Não é que uma mãe também achou por bem, molhar o polegar no óleo e benzer a sua filha com óleo…Eu cá para mim: daqui a pouco estão a rezar a missa no meu lugar. E assim continuou a cerimónia dos quase 41 baptizados.

Depois de acabar os ritos do baptismo, a missa ia continuar com a dança do ofertório que leva algum tempo. Sentei-me a suar e como não me pareceram 41 baptizados perguntei ao ministro da Palavra (sim aqui são todos ministros com túnica) quantos eram os baptizados afinal? São 30 respondeu-me categoricamente. Perguntei ao do outro lado que me respondei também com uma pretensa convicção que eram 32. Afinal, eram 41, 30 ou 32? Fiquei ainda mais baralhado. Que eram mais do que muitos lá isso eram. Está bem. Fiquei resignado. Até que chega um acólito com um bilhetinho escrito a dizer que os baptizados eram 31. Então temos mais uma tese: 41, 30,32 ou 31? Como não vêm assinar o livro de registo dos baptismos, fico com quatro versões para usar quando quiser.

A missa continuava muito viva. Na acção de graças, houve a dança das mulheres: linda, linda. A dança claro. Estavam no corredor da igreja duas filas de mulheres a dançar. A uma certa altura levantam-se muitas das que estavam sentadas nos bancos e começaram elas também a dançar.

Seguiram-se os avisos. Entre outras coisas, o avisador disse que quem quisesse as fotografias do baptismo podiam ir buscá-las ao alpendre no fim da missa. Toda a gente começou a rir. Eu percebi. Primeiro vão ver as fotografias na máquina digital e se gostam pagam antecipadamente e as fotografias ser-lhes-ão entregues dois dias depois…


Lá terminei a eucaristia com uma saudação final, dizendo que o dia do Natal é festa, mas não com a carne do cabrito roubado, mas com o que cada um tem. Eu tinha referido na homilia que uma vez alguém para fazer festa foi roubar um cabrito. Dizia que o Natal é manifestação de fé inquebrável como uma coluna de cimento. Disse também que há o dia da mulher, da criança, do homem, do pai, da mãe, da família, mas não há o dia dos filhos. O dia dos filhos é o dia de Natal. Jesus, filho de Deus. Nós, filhos de Deus.


Terminei a celebração e pedi ao ministro da Palavra para dar o menino a beijar.
Vinha a correr para casa, porque estava um sol incrível e eu não tinha levado chapéu: ainda cumprimentei quem encontrei pelo caminho e vinha para casa, quando me chamaram. Era uma senhora idosa. Trazia um saquito na mão. Ela disse que era para os padres. Abriu. Era uma garrafa de champanhe. Disse ela: é da família Raul. Quem é a família Raul? É uma família de Napipine que tem um filho padre diocesano no Gurué (P. Daniel), uma filha freira das irmãs mercedárias. Alí estava a velhinha a dar-me a garrafa. Ao lado, estava a filha com uma criança nos braços. Vive em Maputo e a criança ainda não foi baptizada. Vieram visitar a mãe. Depois apareceu o filho Basílio que trabalha em Pemba. Pela conversa percebi que trabalha com a Doutora Madalena Baptista de Coimbra (seu pai dava educação física aos alunos do Instituto Missionária) que comigo fomos os dois primeiros doutorados em Ciências da Educação pela Universidade Católica em Portugal.

E assim foi o princípio da manhã do dia de Natal com a missa a começar às 8.00 horas e a terminar às 10.30 da manhã…

Adérito Gomes Barbosa, scj
Nampula, dia de Natal de 2011
NB. As fotografias referem-se ao auto-de Natal que antecedeu a missa da noite de Natal.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

ALUKHU

Esta manhã, o P. Elias, o P. Ricardo, o P. Emílio Jorge e eu saímos às 7.45h da manhã e fomos confessar os cristãos de Murrupaniua aqui a 5 kms, comunidade conhecida pelos voluntários dehonianos que estiveram aqui em 2008. O carro foi por uma estrada que para mim não era mais que um pequeno leito de um rio seco. Mas conseguiu chegar até à igreja, construída pelo italiano, P. Afro. Mal chegados, vimos muita gente. Cada família a cozinhar frango, peixe, fora da igreja. O que é isto? É alukhu responderam. A palavra alukhu significa criança ou noviço.


Em África, há muito tempo que existem os chamados ritos de iniciação para os rapazes e para as raparigas, cada um em separado. Fundamentalmente, consiste em instruções, práticas e ritos para preparar os rapazes e as raparigas para a vida adulta, sempre no sentido de depois terem filhos para continuarem a descendência dos antepassados. Entre as actividades, aprendem a caçar, indo para a floresta. É um assunto que muitos não querem falar, já que entram questões sexuais (para as raparigas, a mutilação e para os rapazes a circuncisão). No entanto, hoje já há mais respeito pelas raparigas, continuando a circuncisão nos rapazes.




É uma tradição muito enraizada no meio do povo. Praticamente, quem organiza hoje aqui é só a Igreja Católica, mas vêm muçulmanos e de outras religiões, como a religião tradicional.

Assim, depois de termos confessado, eu e o P. Elias, grande etnólogo entendido nestas coisas, entramos na barraca onde estavam os 105 adolescentes, alguns ainda crianças. Começou a circular a ideia de que estes ritos iam acabar. Então as famílias com medo, mandam os seus filhos ainda bastante crianças para estas cerimónias. Entraram para a barraca a 24 de Novembro e saem a 24 de Dezembro. O último dia é considerado um grande dia de festa. Pois todos os que fizeram esta iniciação são considerados adultos, maduros e responsáveis.




É também um negócio que mexe dinheiro pago pelos padrinhos. Este dinheiro vai para os que vêm dar conselhos, uma parte para o régulo e uma parte para quem organiza.

E às 9.00 horas da manhã estávamos a regressar, para eu poder continuar a corrigir os projectos de doutoramento em Ciências da Educação.

Adérito Gomes Barbosa
Nampula, 23 de Dezembro de 2011

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Grande esforço em ordem à presença da UCM em Lichinga

1. Encontro entre a Delegação da UCM e a delegação da Diocese

A Universidade Católica de Moçambique (UCM) está a fazer um grande esforço para se tornar presente em Lichinga. Para sermos mais justos, deveremos dizer que este sempre foi um desejo do bispo de Lichinga, D. Élio Greselin.
Assim, no dia 16 de Dezembro de 2011 realizou-se uma reunião histórica em ordem à implantação da UCM aqui em Lichinga, na continuidade de outras anteriores.

A delegação da universidade era composta pelo vice-reitor Vilanculos, também director da faculdade de educação e comunicação de Nampula, pelo responsável da zona norte 3 (inclui Niassa, Nampula e Cabo Delgado) e director da Faculdade de Direito de Nampula (P. Fernão), pelo Dr. Alfândega, da Faculdade de Economia e Gestão da Beira. De Cuamba estavam presentes: o Eng. Nduna, o Dr. Filipe, o jurista Ruben Henrique e o decano da faculdade de agricultura de Cuamba (288 alunos), (Eng. José).
A delegação da Diocese era encabeçada pelo bispo da Diocese (D. Élio Greselin), pelo vigário geral, pároco da catedral e membro da comissão instaladora (P. Joaquim), pela directora do Centro Polivalente (Ir. Vitória), pela administradora da diocese e membro da comissão instaladora (Ir. Delvina), pelo Director Geral do ESAM e membro da Comissão Instaladora (Dr. Francis), e por mim (Adérito Gomes Barbosa), como convidado em ordem a apoios futuros de Portugal, sobretudo ao nível da biblioteca.

Durante toda a manhã, foram analisados pontos em ordem à abertura da UCM, já em Fevereiro ou Março de 2012 aqui em Lichinga quer ao nível de instalações, quer ao nível de organização dos diversos cursos, tendo como estimativa a inscrição de 150 alunos.
Os cursos que hão-de funcionar serão uma extensão da Faculdade de Agricultura de Cuamba.
Assim, ficou determinado que a UCM em Lichinga arrancasse com três cursos:
- Administração Pública
- Direito
- Contabilidade, gestão e comércio.


2. Frases soltas da reunião
- Não podemos apertar o pescoço à faculdade, mas devemos ver o que se pode fazer.
- Tudo começou como acordo entre irmãos.
- Reembolso? Empréstimo? Renda? É tudo a mesma coisa?
- É mais um pensamento a menos.
- Milímetro por milímetro. Colocamos gotas de dinheiro.
- A presença da UCM pode oferecer mais clientela para o comércio em Lichinga.
- Alugar entre irmãos.
- Quem fica mal na fotografia?
- Não quero perder a universidade por causa do dinheiro (bispo).
- O zero nunca foi mínimo (Francis)
- É preciso idoneidade e competência (Fernão).
- A universidade sempre foi o sonho do bispo.
- Quando o filho nasce, a mãe deve pensar nele no primeiro mês (bispo).
- Quando o filho está a crescer, não pode ser abandonado na estrada (bispo).
- A diocese é uma mãe com muitos filhos. Deve alimentar todos. Não se pode deixar morrer nenhum (vigário geral).
- É a primeira vez que nasce esta criança.
- Não começar cursos com pessoas cochas.



3. Fim
E assim terminou a reunião, sem intervalo, desde as 8.30h da manhã até às 13.30h nesta cidade de Lichinga, cujo nome indica curral, por estar rodeado de montanhas, cidade encurralada que tenta abrir-se cada vez mais à cultura.



Adérito Gomes Barbosa, scj
Lichinga, 16 de Dezembro de 2011

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Odisseia Nampula Lichinga

Para começar, há que dizer que não é possível fazer este percurso directo, sem ser por avião ou carro particular. Nesse caso, sem orçamento para o avião, planeei fazer a viagem, de comboio, Nampula até Cuamba e de chapa Cuamba até Lichinga.

No sábado, dia 10 de Dezembro de 2011 (por sinal, dia dos Direitos Humanos), dirigimo-nos pelas 15 horas para a estação de comboio de Nampula, a fim de comprar os bilhetes de segunda classe para a viagem de domingo.

Na fila, encontrava-se também o P. Augusto, padre diocesano da Cerâmica em Lichinga, mas a trabalhar no seminário diocesano de Nampula. Reconheceu-me, veio oferecer-se para comprar o nosso bilhete, uma vez que estava muito perto da bilheteira. Lá lhe demos o dinheiro para comprar o bilhete para mim, para a missionária Gabriela e para a brasileira Ir Fátima.

Aproximou-se para comprar o bilhete de segunda, mas veio logo ter connosco dizer que só havia de terceira. Isto quer dizer ir no meio de pessoas e animais. Pois, sendo para viajar, arriscámos…

No dia 11 de Dezembro chegámos à estação de comboio de táxi as 4h da manhã.

Na estação para entrar para dentro havia uma fila para homens e outra para mulheres, isto só para passar a barreira e picar o bilhete.

Ao entrar na última carruagem da terceira parecia um filme do Texas.

Os bancos estavam todos ocupados, o corredor igualmente. Como podia eu passar além da porta de entrada? Chega o polícia e diz que não posso ficar à entrada da porta. Eu disse-lhe que o corredor estava atulhado de gente e eu não conseguia andar mais.

Então o polícia disse-me para sair do comboio e corresse para o Botequim (bar) que tem mesas e bancos. Lá sprintei, mas o bar estava repleto de gente, com pessoas em pé à espera de gente para se sentar. Afinal o P. Augusto estava lá sentado numa cadeira. Mal me viu levantou-se para me oferecer a sua cadeira.

Continuei de pé. Eram 5 horas da manhã e o comboio começava a rolar. Tive que aguentar de pé até às 8 e 30 da manhã. A esta hora o dono do bar, um mestiço simpático disse para me sentar num lugar livre. Aproveitei logo. Daí a pouco aparece um rapaz que me diz que o lugar é dele. Ok. Levantei-me e disse para ele apertar um pouco para eu me sentar. Ia mais no ar do que sentado, mas era melhor pouco do que nada.

Assim passamos Rapale, Caramanja, Namina, até chegarmos a Ribaué. Aqui desceu o tal rapaz com a mulher, com cara de japonesa, mas é capaz de ser moçambicana.


Aí tornei-me dono, senhor e rei do meu lugar. Ao meu lado, ia uma mulher muçulmana, Latifa que viajava com o seu filho Fraquito (nome da criança), ao meu lado. Começou logo a dizer que estava muito stressada, porque discutira com o marido. Este veio trazê-la à estação de comboio, mas sem falar com ela. Perguntei como poderia destressar. Disse-me para eu lhe emprestar dinheiro para uma cerveja que me devolveria (esta palavra não existe) em Cuamba. Lá lhe ofereci um copo de cerveja de 30 meticais. Daí a pouco diz que tem dores de cabeça. E só passaria bebendo outra cerveja. Calma, lá. Ajudar sim, ser lorpa não. Por acaso não percebi que sendo ela muçulmana bebia álcool cerveja. Mas tudo bem.

Depois de passarmos por Malema, chegamos a Mutuali. Pedi-lhe para me ir comprar um saco de mangas que custariam dez meticais e passei-lhe o dinheiro para a mão. Ela passa-me o filho pequeno dela para os meus braços e pôs-se a andar para comprar fruta. O P. Augusto que estava lá mais à frente olha para mim e vê-me com o filho da muçulmana nos braços. Que fazer? Disse eu. Olhou para mim, sem falar.

Ai Latifa, Latifa. A viver em Mecuti (Pemba), com o quase marido (já têm dois filhos) em Nampula…
Bem. Daí a pouco aparece a mulher com vários sacos de mangas, mas com uma teoria africana. Encontrei o revisor que me pagou estes sacos de mangas. Eu disse: calma lá. Não me vais fintar. Eu dei-te 10 meticais e um saco é meu. Certo? Lá se deixou derrotar pela sua teoria: Ah! Está bem! Pois está, disse eu. E já a 20 minutos da chegada a Cuamba, agarrei o saco das mangas, a minha mochila e vim para junto da porta de saída. Não fosse outra teoria de qualquer outra tribo convencer-me que as mangas não eram minhas e os meus dez meticais que dei para as mangas desapareceram. Mal imaginava eu que este saco de mangas parava em Cuamba uma noite e continuaria até aqui Lichinga e foram bem saboreadas pelo bispo.

Mas a Latifa tentou mais um drible. Quem te vem buscar à estação? Uma pessoa amiga. E não me pode levar também com estes sacos todos? Eu aí usei um raciocínio típico africano, a que chamam finta: sabes. Não é bem uma amiga que me vem buscar. É uma amiga de uma amiga e portanto não tenho muita confiança. Se fosse a minha amiga que é amiga da que me vem buscar, dava. Assim não dá. Percebeste? Ficou baralhada.

E chegamos à estação às 16 horas. E como a Gabriela trazia o merendeiro e ficou na carruagem de trás. Fiquei sem pequeno almoço e sem almoço… em jejum às 16h. Porra.

Ainda bem que a Rai que é amiga da Marli que estava em Nampula estava mesmo à nossa espera com ar de acolhedora. Fomos até casa destas missionárias brasileiras. Tomei um duche rápido. É que estava cheio de fome. Sentei-me à mesa e foi comer tudo ao mesmo tempo: pequeno-almoço, almoço, jantar às 17 horas. Fui para o quarto dormir, porque às 4,30h da manhã tinha que me levantar.

Dessa maneira fui para o quarto, pedi à Rai para ligar a ventoinha. Afinal não era carregar no botão que a ventoinha andava. Era dar duas voltas em cima com a ajuda das mãos e depois ela pegava sozinha… assim foi…com a ajuda da outra missionária que se chama Flor de Maria.

Às cinco da manhã, arrancámos para o lugar dos chapas, carrinha de nove lugares que trazia pelo menos o dobro. Vá lá. Ofereceram-nos os dois lugares ao lado do motorista. Assim, pudemos colocar à frente o saco das mangas. Antes de começar a viagem, em frente da estação, estava uma estalagem muçulmana. Pedi para ir à casa de banho. Disse-me uma criança: cinco meticais. Fui à casa de banho. Quando saí, dei os cinco meticais, mas disse-me que eram dez. Eu não estava a gostar desta finta, mas para não chatear, lá paguei.

Começamos a viagem. Que estrada! Que lama! Que buracos! Lá fizemos das 5.30h até às 9.30h uma grande parte da viagem até Mandinga (praticamente a fronteira com o Malawi e dez quilómetros de Mitande, onde estiveram as voluntárias Gabriela, Joana Coelho e Milu a fazer voluntariado.

Em Mandimba, a chuva molhava mesmo. O motorista Jorge do minibus disse para sairmos e irmos para debaixo de uma varanda de uma casa que depois nos chamaria. Aproveitamos esse bocadinho de tempo para acabarmos os restos do que serviu para pequeno-almoço, almoço e jantar no dia anterior.
(Estou a escrever-vos em Lichinga. Aqui vem o comboio uma vez por mês e neste momento estou a ouvir o comboio a passar!!!).

Daí a pouco retomamos a nossa viagem, já com alguns malawianos que tinham vindo do Malawi, mesmo ali ao lado como disse.

Vinha um outro minibus à nossa frente e tinha tido problemas no depósito da gasolina. Então o nosso Jorge disse que o nosso carro era bom e não avariaria como o outro. Porque é que ele foi dizer isso? Depois de andarmos um bocado e apanharmos a estrada alcatroada, o carro começou a andar devagar. Daí a pouco, ele disse que tínhamos que parar porque havia um pequeno problema: o tubo da água do radiador estava furado. Era preciso arranjar. Disse ele que era rápido. Esperamos uma hora, mas o engenheiro do momento conseguiu colocar aquilo a andar.

E lá fomos andando até chegarmos a Massangulo. Aí a polícia manda parar e implicou com os do Malawi, mas como estavam documentados seguimos viagem. Pelas 15 horas, entrámos em Lichinga com chuva e frio.

Na última parte da viagem, o motorista começou a conversar e a dizer que Lichinga era um curral de bois antigamente e depois espalhou-se esse nome. A seguir começou a falar do lago Niassa. Dizia que o crocodilo podia apanhar negro, mas quando via um branco como eu, fugia. Terei mesmo a cor da lixívia? Neste caso, tem vantagem.

Mas em vez de nos deixar no mercado central, onde terminou a viagem, teve a gentileza de nos trazer até aqui à casa do bispo católico.

E quem estava para nos receber? Nem mais nem menos que o bispo que estava a sair com o vigário geral para uma visita pastoral.

À tarde falhou a luz. Celebramos a missa à luz das velas e da lanterna a manivela que estava no meu bolso…eu, o Ir. José Meone, a Gabriela, um voluntário italiano Mário.
Adérito Gomes Barbosa

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Cuamba a Nampula… de comboio

Toda a gente diz que andar de comboio de Nampula a Cuamba que é um espectáculo. A mim parece-me que andar de comboio de Cuamba a Nampula é que é um espectáculo.

Para começar, vais comprar o bilhete na véspera, mas as bilheteiras estão abertas só na hora em que chega ou parte o comboio. Depois, tens carruagem de segunda e terceira. Não há carruagem de primeira. Na terceira viaja tudo: pessoas, galinhas, cabritos… tudo tem lugar.

Já a segunda custa 400 meticais. Já é muito dinheiro para cá. São carruagens com compartimentos de 6 lugares. Ficam três pessoas frente a outras três, a não ser que alguém vá lá para cima, onde estão as malas e vá a dormir o tempo todo como aconteceu. Afinal são 12 horas de comboio. Sai às 5.30h da manhã de Cuamba e chega às 17.30h da tarde. Segundo algumas versões, não muito credíveis, há motoristas que aceleram o comboio como o chamado russo e chega mais cedo a Nampula. Segundo outros, há maquinistas que param, vão almoçar com a namorada e só depois retomam a marcha.

Assim, em vez de chegarem às 17.30h chegam às 23h. Apesar de eu não ter visto muitas lupas por aí, há gente que acrescenta um conto ao ponto.

Não é que o comboio partiu a tempo e horas? A primeira grande paragem foi em Mutuali. Aí dezenas de pessoas aproximam-se com cestas de mangas à cabeça e nós da janela, vemos, apreciamos, escolhemos as que não estão verdes ou estragadas.


 
Como eu não percebia nada disto aqui, pedi a uma mulher para me escolher dois sacos grandes de mangas que custavam 20 meticais para eu trazer para a comunidade, onde me encontro com o P. Elias e o P. Ricardo, já que o P. Augusto foi para Maputo acabar a sua tese de filosofia.


Eu pensava que lhe estava a dar uma nota de 20 meticais. Afinal dei-lhe uma de 50 meticais. Então disse para mais à frente comprar bananas para eu trazer. Comprou-me em Malema umas bananas deslavadas e murchas…eu perguntei…afinal estas bananas custam trinta meticais? Não. Sobrou dez meticais. Eu disse para comprar algo para os filhos que iam com ela.

Mas cada vez que o maquinista via alguém com uma gamela de mangas, tomates, cebola ou alho à cabeça, parava o comboio. Fez-me lembrar o autocarro que parava em todo o sítio para carregar e levar passageiros quando eu era pequeno. Nessa altura levava mais de uma hora para fazer 15 kms. Agora estamos a falar de Cuamba a Nampula que são 400 kms.

E assim o comboio ia andando ao sabor do maquinista e do mercado que estava junto à linha. A paisagem é verde, bonita, mas não exageremos…É todo o movimento das pessoas…
Ia uma mulher bastante forte com uma criança que dizia ser sua filha. Para mim deve ser a avó, mas armou-se em esperta a dizer que era a mãe da criança de 5 anos. Estava sempre a dar comida à criança…
E chegou a hora do almoço – há uma carruagem restaurante – todos pediram shima, batata frita e caril. Eu puxei do meu saquinho e comi a sande de ovo que me deram em Cuamba e bebi da água que eu trouxe numa pequena garrafa.

Ficaram todos a olhar para mim como que a dizer: branco sofre…
Quando já estávamos a chegar, esta mulher pede-me o meu telemóvel e começou a mexer. Eu perguntei o que queria ela do meu telemóvel. Respondeu-me que queria ver um número. Lá mexeu no dela. Lá mexeu no meu. E eu parvo a olhar para esta esperta como um rato.

Fiquei desconfiado. Quando cheguei a Nampula, perguntei, porque é que a mulher queria mexer no meu telemóvel. Responderam que no Mcell pode transferir-se dinheiro de um para outro até 100 meticais. Nunca percebi se ela me tirou dinheiro ou não…

Chegados a Nampula, era preciso ter cuidado com as malas e as mangas, porque ladrão é mato e sabe roubar, é profissional. Assustaram-me de tal maneira que quando eu saia do comboio não queria ninguém por perto.

E cheguei a casa com os meus pertences e os dois sacos de mangas…
Adérito Gomes Barbosa

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cuamba, 21 a 27 de Novembro de 2011

Cuamba! Antiga Nova Freixo! A quatro centenas de quilómetros de Nampula, assim como de Lichinga. Dizem que até ao Gurúè são apenas duas horas de carro.

Mal cheguei a Cuamba instalaram-me na casa azul. Será que tem luz? Será que tem água? Perguntar se tem internet é como perguntar numa pensão em Portugal se tem piscina de água quente. Portanto, não perguntei. Porque seria uma pergunta sem contexto.

Ia almoçar e jantar à paróquia S. Miguel que dista daqui uns 15 minutos a pé.
Logo no primeiro dia, lá ia eu com a minha saquita às costas, onde levo sempre uma máquina fotográfica e um caderno de apontamentos, e uma criança mesmo pequena atira: olá branco. Olhei para ela. Deu-me vontade de dizer olá pretinho, mas calei-me.
No entanto, os voluntários dehonianos que estiveram cá em 2010 a trabalhar em bibliotecas falavam muito no P. Leonel e no P. Rogélio. Eu nunca os tinha visto. Apenas algumas fotos.
Chegava eu de avião e estava no aeroporto de Nampula à espera da mala. Vejo um indivíduo cuja cara não me era estranha. Você chama-se Leonel? Sim. Ah É o padre Leonel. Sim. Sou. Assim fiquei a conhecer um dos padres mais falados pelos voluntários dehonianos.


Estava eu já a pensar vir para Cuamba de comboio, mas eis que a Ir Marli organizadora do congresso que eu vou intervir, a dizer que o P. Leonel vem para Cuamba e dá-me boleia. Óptimo. Assim foi. Segunda-feira dia 21 de Novembro às 5 horas da manhã em ponto, arrancamos de Nampula para chegarmos aqui a Cuamba pelas 12 horas.

Paramos apenas uma vez, porque um polícia pôs-se no meio da estrada, obrigando-nos a parar. Queria boleia para o posto de trabalho dele. Lá levamos o homem uns bons 15 quilómetros no meio de buracos e pedras.

O P. Rogélio? Estava eu a escrever no meu caderno estas notas sentado numas cadeiras mesmo fora do refeitório da paróquia e eis que entra um padre: chamo-me P. Rogélio e estou agora em Mecanhelas. E lá falou do Eduardo, da Maria, do Paulo, da Natália, do Rogério e do fotógrafo de Arouca. É que veio para uma reunião dos padres da Consolata aqui no norte de Moçambique, onde estava também o P. Frizzi que escreve muito sobre os macuas. É um tipo Elias Ciscato cá do Niassa.

Também estava ali sentado, porque uma antiga leiga para o desenvolvimento, disse que queria falar comigo às 17 horas. Esperei. Esperei. Não apareceu…Pois…

No dia a seguir, uma brasileira, Raimundinha, leiga consagrada, mulher de chás de plantas medicinais, convidou-me a ir a Mitúcuè, antiga missão da Consolata, que tem hoje à sua volta 66 comunidades que funciona como segunda paróquia. Ali a Raimundinha apresentou-me uma árvore que se chama Índia e que tem efeitos medicinais para a malária, parasitas intestinais, pele e anticonceptivos.

Bem, a paróquia aqui em Cuamba chama-se S. Miguel Arcanjo e tem à sua volta 96 comunidades cristãs.
Aqui Cuamba está em tempo de eleições. O administrador demitiu-se e então há um candidato da Frelimo (homem) e um candidato do MDM (mulher). São bandeiras, carros da Frelimo a passar, já que ao que me parece o único carro do MDM que anda a fazer propaganda é o carro do pai da candidata já que o resto é à base de bicicletas.

Ainda hoje, estávamos para ir almoçar e aparece a ministra do ambiente de Moçambique para falar com o pároco e pedir-lhe para que peçam ao povo para não haver violência durante a campanha.
Pois no primeiro dia, foram vários feridos para o hospital….
Para impressionar o povo estão a substituir os postes de electricidade da cidade. Tiram os de cimento que estão bons e colocam uns de madeira que daqui a algum tempo caem de podres…

E os caminhos cheios de pó, bandeiras a voar no meio do pó, cá estamos nós nesta terra, a ouvir de vez em quando o comboio a apitar, ou porque está a fazer manobras, ou porque está a experimentar o apito, ou a sair para Cuamba ou para Lichinga (de mercadorias e uma vez por mês).

E agora vou dormir ao som do apito do comboio, porque amanhã então na Faculdade de Agricultura de Cuamba começo as minhas conferências sobre o papel da educação no desenvolvimento da sociedade para professores do secundário e da universidade.

Assim, foi todo o dia de hoje na Universidade a discursar e a dialogar sobre a educação. O problema foi convencer um professor de que a mentira não é um valor nem se deve praticar. Dizia ele: se estou preso, peço ao guarda para ir à casa de banho, depois fujo. Esta mentira para sair da cadeia é correcta diz ele. E eu perguntei: e você é professor? Pois sou, diz ele. E eu respondi: pois.

Fiquei mal impressionado com o que me disseram: que os professores em Cuamba estão sempre Mal apresentados e bebem de mais. Espero que alguma coisa tinha ficado hoje depois de falarmos de educação, desenvolvimento, sociedade, escola contemporânea.
Amanhã há mais…
Do Seminário e da viagem de comboio Cuamba Nampula falarei depois. É um espectáculo.
Cuamba, a capital do algodão.
Cuamba, 27 de Novembro de 2011
Adérito Barbosa

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

domingo, 6 de novembro de 2011

ALVD NO COBUÉ: 30 de Agosto a 11 de Setembro

No dia 30 de Agosto, terça-feira, logo de manhã cedo, a irmã Olívia e os três voluntários de Viseu (padre José António, Sónia e Ju) foram buscar-nos a casa, para iniciarmos a nossa viagem para o Cobué. Passámos por várias aldeias, sendo que as casas encontravam-se à beira da estrada. Vimos várias mesquitas e vários muçulmanos nas ruas, pois era o último dia do Ramadão.

Depois de pararmos em Metangula para almoçar, continuámos a nossa viagem: passámos por mais aldeias, mais embondeiros, muitas “torres de formigas” e muitas paisagens lindíssimas.

Chegámos ao Cobué, eram quase cinco da tarde, o que significa que o sol estava quase a pôr-se. Então, apenas houve tempo para nos instalarmos no sítio onde iríamos ficar a dormir nos 13 dias que se seguiram e de ir tomar banho no Lago Niassa.

Depois do jantar, fomos ver as estrelas lá para fora (o céu estava muito estrelado), enquanto rezávamos o terço. Acabámos por nos deitar por volta das 21h.

No dia seguinte, tivemos missa logo às 8h. As pessoas na igreja sentam-se homens de um lado e mulheres do outro.

Depois da missa, fomos lavar a loiça ao lago e vieram três miúdos atrás de nós. À medida que íamos descendo a rua em direcção ao lago, iam juntando-se mais crianças; ou seja, chegámos ao lago com mais de vinte pessoas. Estive a tirar-lhes fotografias (eles adoram ser fotografados e depois ver logo a fotografia na máquina) e ensinei-lhes um jogo. Quase ninguém sabia falar português (ali na zona falam um dialecto chamado nianja), então só as crianças mais velhas é que conseguiam perceber mais ou menos aquilo que eu dizia.

Quando regressávamos a casa, passámos por umas casas e ouvia alguém chamar pelo meu nome.
Olhei para trás e era uma rapariga, talvez da minha idade, que nos convidou para ir comer “shima” (é uma papa feita com farinha e água, que parece puré, mas é mais dura e insonsa). Entrámos em casa dela, provámos a “shima”, mas não pudemos ficar muito tempo, porque tínhamos de ir almoçar com o grupo.

Depois de almoço estivemos apenas a conhecer o Cobué e as praias. Numa das praias, estavam crianças a lavar a loiça, que nos vinham pedir para lhes tirarmos fotografias, para eles poderem ver logo a seguir.

Na manhã do dia 1 de Setembro, estivemos a dar uma pequena aula de português, ao ar livre, às crianças, a pedido da irmã Olívia. Começaram por ser apenas 20 miúdos, mas quando dei por ela eram já cerca de 40. Como a maioria não percebia português, a única coisa que fizemos, eu e a Patrícia, foi dizer os nossos nomes, perguntar os deles e escrever em folhas frases, como “Como te chamas?”, “Eu chamo-me Catarina” e “Quantos anos tens?”.

Depois desta pequena aula de português, fomos até ao lago e algumas crianças vieram também e brincaram connosco na água. Fomos deitar-nos um pouco na areia e eles vieram deitar-se ao nosso lado. Ao início mantinham uma certa distância, mas depois alguns deles acabavam por vir para cima das nossas toalhas. Como eles começaram a meter-se connosco, nós também nos metemos com eles, então eu ensinei-os a fazer um coração com as mãos. Eles riam-se imenso e imitavam o que eu tinha feito; alguns começaram a desenhar corações na areia. Eu levantei-me e fui para a beira do lago desenhar coisas simples, como corações e flores, na areia molhada. Depois eles começaram a pedir-me para escrever os nomes deles na areia. Relembro que a maioria não sabe falar português, portanto comunicar com eles é um pouco complicado. Mas, para estas crianças, sorrir para eles, dar-lhes as mãos ou fazer-lhes cócegas é o suficiente; não são precisas palavras, basta dar-lhes um bocadinho de carinho.

Depois de almoço, fomos a mais uma missa, celebrada pelo padre José António.
De seguida fomos para uma zona da aldeia mais longe do sítio de onde estávamos, para visitar o marido da mamã chefe (a mamã das mamãs, a mais velha das mamãs), chamado Leonardo, que tinha sido amputado há pouco tempo e, por isso, não se podia deslocar para ir à missa.
As crianças vieram connosco. Eram cerca de 40 e todos queriam dar-nos as mãos.
Quando saímos de casa do senhor, fomos até ao lago com as crianças, onde lhes ensinei o “aram sam sam”. Tentei que eles ficassem todos juntos na praia e continuassem a fazer o “aram sam sam”, porque íamos para casa, mas era impossível: eles andavam sempre atrás de nós, a agarrar-nos as mãos e os braços. Sempre que púnhamos um pé fora de casa, vinham logo os miúdos atrás de nós para nos dar as mãos e passear connosco.

No dia seguinte, dia 2 de Setembro, uma sexta-feira, enquanto uns foram comprar pão para o pequeno-almoço (havia apenas uma padeira no Cobué, que fazia uns pães muito bons), eu fiquei em casa. Entretanto, apareceram umas crianças com cadernos, porque queriam aprender mais português. Como nessa manhã íamos celebrar missa a outra aldeia, chamada Mataca, não tinha tempo para estar com eles e ensinar-lhes português, então dei-lhes uns lápis e umas canetas (fornecidas pelo padre José António) e eles estiveram a fazer desenhos. Ao distribuir as canetas, disse-lhes que era apenas uma para cada um e eles respeitaram isso, de tal forma, que houve um que me tentou enganar e eu dei-lhe uma segunda caneta, e os outros foram logo todos tirar-lhe a outra caneta do bolso para me devolver, porque era só uma para cada um. Mostraram-me as suas obras de arte, depois do pequeno-almoço, e a maior parte, principalmente as meninas, tinham desenhado uma árvore que, em vez de folhas, tinha corações, e eu gostei muito dos desenhos.

Seguimos para a Mataca e, depois da missa, fomos visitar a aldeia. A senhora Maria (a única mulher que foi à celebração) convidou-nos para almoçar na casa dela. Nós aceitámos e, enquanto o almoço não estava pronto, fomos até à praia da Mataca.

Aqui, quando alguém convida outras pessoas para comer em sua casa, primeiro comem as visitas e só depois é que comem os habitantes da casa. Então sentámo-nos a comer.
Na manhã de Sábado, dia 3 de Setembro, fomos para a praia do lago, logo depois do pequeno-almoço. As crianças vieram connosco e estivemos todos a brincar: comecei por lhes atirar com água para cima, na brincadeira, e depois vieram todos ao mesmo tempo atirar-me com água. Depois fingia que era um crocodilo e ia atrás deles, fazendo-lhes cócegas. Também estiveram a experimentar champô e gel de banho. Adoraram e estavam sempre a pedir-nos que lhes déssemos gel de banho para se lavarem, como eles nos viam a fazer.
Nesse dia aprendemos a lavar a loiça com areia, que é como eles lavam lá. A verdade é que a loiça fica muito mais limpa; as panelas ficam completamente sem a parte queimada. Quem nos ajudou a lavar a loiça e nos ensinou como se fazia foi uma rapariga chamada Glória. Algumas crianças também nos vieram ajudar e depois vieram connosco até ao poço, para passarmos a loiça por água.
Voltámos para nossa “casa” e eu trouxe o alguidar da loiça lavada na cabeça, como elas fazem cá, e segurava nele com uma mão, enquanto a outra mão estava dada à Mel, a menina que vinha sempre dar-me a mão.

Ao final da tarde, veio um rapaz ter comigo e deu-me um desenho, dizendo que era o meu retrato. Eu adorei e emocionei-me, então dei-lhe um abraço, como forma de agradecimento; eles aqui não estão habituados a dar abraços, então o rapaz ficou meio embaraçado, sem saber muito bem o que fazer.
No dia seguinte, depois do almoço, a Joyce (uma rapariga do Cobué) esteve a fazer-nos uma visita guiada, a mim e à Patrícia: estivemos na escola secundária, na escola primária, no posto da polícia, na maternidade, no posto de saúde, no mercado e, por fim, na casa do administrador, onde fomos muito bem recebidas pela sua mulher, que nos mostrou o interior da casa.

Na segunda-feira, dia 5 de Setembro, começaram as obras da igreja do Cobué. Nesse dia foi a primeira vez que experimentámos a papaia de cá, que é muito boa.
No dia seguinte, fomos até Likoma, uma ilha que pertence ao Malawi. Dirigimo-nos para a praia, para apanhar o “chapa” (marítimo). Chegámos ao nosso destino e fomos visitar a Catedral Anglicana de S. Pedro. Passámos, ainda, pelo hospital, o cemitério e pelo centro da cidade.

Chegámos ao Cobué e, depois do almoço, estivemos a cantar a “árvore da montanha” com os miúdos, que iam sempre para a porta da nossa “casa”ter connosco. E, quando não saíamos de casa, eles conseguiam ver-nos pela janela e chamavam os nossos nomes.

Na quarta-feira, saímos de manhã, para ir visitar o posto de saúde. Cruzámo-nos com a Joyce, que veio connosco. Aproveitámos para ver a maternidade; estivemos na sala onde elas costumam ficar internadas, depois deterem os bebés.

Passámos pelo padre Leonardo e demos-lhe os parabéns, porque, naquele dia, era o seu 40º aniversário.

Depois do almoço, enquanto eu e a Patrícia fomos com a Joyce à escola secundária assistir a um jogo de futebol, a Sónia, a Ju e o padre José António estiveram a preparar a formação de catequese que o último iria dar aos animadores do distrito nos três dias que se seguiram.
Houve missa às 18h, para celebrar os anos do padre Leonardo, que depois jantou connosco. Cantámos-lhe os parabéns e comemos bolachas.

No dia seguinte começou a formação de catequese, então tivemos oração logo às 8h. Assistimos um pouco à formação, mas às 10h eu, a Patrícia e a Ju fomos até à Escola Primária Completa de Cobué, porque a Ju, como é enfermeira, ia falar da importância de se lavar os dentes e as mãos. Eu e a Patrícia também fomos para podermos recolher imagens (fotografias e vídeos).
Esta escola não tem mesas nem cadeiras, portanto os alunos sentam-se no chão, com os cadernos e livros aos joelhos (os que têm cadernos e livros, porque há muitos que não têm), enquanto os professores ou ficam de pé, ou sentam-se numa cadeira.

Depois do jantar, houve um tempo de convívio entre os animadores, onde se esteve a cantar e a dançar.
Na sexta-feira, a formação de catequese continuou e antes das 16h houve missa. Depois do jantar fomos fazer uma oração com os animadores.

Na manhã seguinte, fui com a Joyce ao posto de saúde (o filho dela estava doente), enquanto decorria a formação de catequese. No posto de saúde não existem senhas e as pessoas não são atendidas por ordem de chegada: primeiro entram os homens e só depois é que entram as mulheres com crianças.
Antes do almoço houve missa e foi a mais emocionante: foi a missa de despedida do grupo (que ia voltar para Portugal) e do padre Leonardo (que vai estudar para Portugal, na Universidade Católica). Como forma de agradecimento por termos lá ido, a paróquia de Cobué ofereceu uma capulana a cada um de nós.

Depois do almoço, fomos com os miúdos até à praia, pois iríamos apanhar o barco para ir passear até outra paróquia do padre Leonardo.
A viagem de regresso ao Cobué foi muito agradável: vimos o pôr-do-sol e andámos de barco já de noite, apenas com a lua cheia a iluminar-nos. Pensei o quão agradecida estava por estar ali e por estar a experienciar algo desta dimensão e desta responsabilidade, tendo apenas 21anos. Pensei “quantas pessoas de 21 anos podem dizer que já andaram de barco no Lago Niassa, enquanto viam o pôr-do-sol? E quantas pessoas de 21 anos podem dizer que estiveram em contacto com as crianças e as pessoas como as que eu estive em contacto no Cobué?”. Senti-me (e sinto-me) a pessoa mais sortuda do Mundo. Acho que nunca tinha estado tão agradecida por estar viva e por estar a viver.

Foi a nossa última noite passada no Cobué e, no dia seguinte, o padre José António celebrou a última missa, sendo que fomos embora logo a seguir.

Catarina Ramalheira e Patrícia Sales

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Sinais da presença dehoniana em Moçambique

Falar sobre a presença dehoniana em Moçambique é recuar no tempo e ir aos meus tempos de menino e moço quando no seminário Pe. Dehon ouvia deliciado as histórias que os nossos missionários que estavam naquele país contavam na sua passagem a caminho de umas merecidas férias. Nessa altura, pensava como devia ser bela essa vida cheia de aventuras, imprevistos e muita coragem e confiança em Deus à mistura. Os anos foram passando e fui acompanhando, por vezes preocupado, mas talvez sem o entusiasmo juvenil dos primeiros tempos, a actividade dos nossos missionários que passaram por momentos difíceis nos tempos da independência de vários países africanos, mas permaneceram corajosamente firmes junto das suas comunidades cristãs.

Os anos foram passando e quando nada o fazia prever, nem estava nos meus planos mais imediatos, eis que me surgiu a oportunidade de acompanhar um grupo de jovens voluntários até à Diocese de Lichinga, situada na Província do Niassa, no Norte de Moçambique. Era a oportunidade de recordar vendo “ao vivo e a cores…” todas aquelas histórias contadas com tanto carinho nos primeiros tempos de seminário.
Foi assim que partimos para uma experiência missionária de um mês (Agosto) 11 voluntários cheios de entusiasmo e vontade de oferecer um pouco das suas vidas àquele povo simples e humilde, acolhedor e feliz, alegre e sonhador. Na nossa bagagem levámos a vontade de ser próximos e amigos, úteis e solidários vivendo com entusiasmo o seu dia-a-dia. Tínhamos consciência que no dar e receber nós íamos sair beneficiados, mas isso faz parte da recompensa que é dada a todos aqueles que amam e se entregam sem reservas aos outros…

Agora já em Portugal recordo o carinho, alegria e amizade que nos foram dispensados por todos os locais de missão por onde passámos. Isto sucedeu em todas as comunidades dehonianas que nos acolheram e em outras comunidades onde o sorriso acompanhado de um cafezinho ou chá nos davam as boas vindas… A comunidade dehoniana na Casa Pe. Dehon em Maputo faz autênticos milagres para acolher os tantos voluntários e não só que lá pedem abrigo nem que seja por uma noite. Obrigado Padres Mario, Ruffini e Abel!

Apesar do cansaço já se notar em muita gente ninguém se esquivou (sempre era o nosso primeiro dia em Maputo, capital de Moçambique…) à oferta de visitar o Escolasticado Filosófico Dehoniano em Matola. Aqui ouvimos a já conhecida odisseia do Pe. Toller no tempo da guerrilha quando foi raptado e libertado pela RENAMO. Nesta altura o sono já ia fazendo estragos no grupo, mas indo buscar forças não sei onde houve ainda coragem para desafiar o Pe. Lázaro a mostrar-nos um pouco de Maputo “by night”. Houve quem só viu com um olho, mas deu para ficar com uma ideia meio tremida e aos flashes…

À chegada a Lichinga tínhamos à nossa espera D. Elio Greselin que com a sua espontaneidade e alegria contagiante cativou logo toda a gente chamando-nos “vadios” bem-vindos… Não posso esquecer a presença discreta, serena, amiga e cordial do Irmão Giuseppe Meoni que chegando das suas férias em família, na Itália, quando já nos encontrávamos em Lichinga nunca mais nos largou interessando-se por tudo e zelando para que nada faltasse para o êxito da nossa missão.

A diocese de Lichinga para além de ser muito grande não é nada fácil de gerir e precisa de muito apoio a todos os níveis. É uma Diocese ainda muito desorganizada e que possui um clero que ainda não compreendeu ou não quer compreender o seu bispo que quer renovar mentalidades e dotar a diocese de estruturas que garantam a sua sustentação e autonomia económica sem recorrer às sempre imprevisíveis ofertas que chegam do exterior. Outro sonho é o de atrair jovens estudantes com a construção de um polo universitário na cidade. Devido à extensão territorial da diocese, D. Elio procura e convida congregações de Irmãs que queiram constituir comunidades religiosas em algumas missões que estão abandonadas há muito tempo. Para além da presença espiritual tão necessária seriam também uma garantia de sucesso para as escolinhas que acolhem crianças e lhes dão formação humana e intelectual. Já lá estão várias congregações que fazem tanto e com muita dedicação (Teresianas, Reparadoras de Nossa Senhora das Dores de Fátima, Religiosas do Amor de Deus; Irmãs S. José de Cluny, Irmãs Missionárias da Consolata…) mas são poucas para tantas necessidades. Permito-me destacar o trabalho de duas Irmãs não por que façam mais do que as outras, mas porque colaborei mais com elas: a Irmã Olívia que é a “ponte de ligação” dos voluntários que partem de Portugal para Lichinga. Alguém lhe chamou a “Irmã todo o terreno” e a “Super-Irmã” pela capacidade que tem de chegar a todo o lugar sempre bem-disposta e com a solução adequada para qualquer problema e a Irmã Maria José que com a sua irreverência e alegria contagiante consegue motivar todos os que estão a sua volta. Um obrigado muito grande para todas vós pelo vosso testemunho e amizade.

Já o sabíamos à partida e, por isso, foi com a maior das naturalidades e com votos de bom trabalho que nos íamos despedindo dos subgrupos que iam sendo espalhados por várias missões da diocese: a Telma e a Isabel foram para Marrupa; a Joana, Milu e Gabriela para Mitande; a Patrícia e a Paula na primeira semana ficaram na cidade de Lichinga e depois rumaram até Massangulo; finalmente o Vítor e o Ricardo trabalharam na biblioteca do ESAM na catalogação e distribuição por várias bibliotecas das toneladas de livros que são recolhidos aqui em Portugal e enviados para lá e, na última semana, foram até Metangula dar um curso de informática. O trabalho das nossas meninas consistia em encontros de formação e partilha com as educadoras e auxiliares de educação das escolinhas confiadas à Igreja. Claro que o momento mais desejado e apetecido do dia era o contacto com aquelas crianças com uns olhos muito bonitos e um sorriso de orelha a orelha a pedirem uma foto… Houve quem tirasse 500 fotos só num dia… É obra!...

Diz-se que “cada um tem aquilo que merece…” e, por isso, tive o privilégio de visitar algumas das primeiras missões dehonianas que ficam nas Províncias de Nampula e da Zambézia. Na cidade de Nampula encontrei o Arcebispo D. Tomé (dehoniano) confiante e empreendedor com uma grande vontade de formar bem o clero da sua diocese, nem que para isso tenha de o enviar até à Europa por alguns anos. Está empenhadíssimo na criação de algumas infra estruturas que sejam respostas concretas para várias necessidades da Diocese de Nampula. Projectos e sonhos há muitos, mas será precisa a boa vontade de muitas pessoas para que eles se concretizem. Na Paróquia de S. Pedro, confiada aos dehonianos, os Padres Ciscato, Augusto e Riccardo não tem mãos a medir para acompanhar os vários centros de culto espalhados à volta da paróquia (alguns a muitos quilómetros do centro) e tantos movimentos que fervilham na sede da paróquia como a catequese (infantil, jovens e adultos), acólitos e outros movimentos que necessitam da sua assistência contínua.

A presença em Nampula da Companhia Missionária, mais conhecidas por “Mariolinas…”, devido à actividade e à genica da Mariolina, uma das consagradas, é muito importante no campo do ensino e no acompanhamento de várias jovens vocacionadas. Com a ajuda da ALVD e do Pe. Adérito foi criada e montada uma biblioteca que é já um ponto de referência para os estudantes da cidade que encontram nela o que as bibliotecas do estado não conseguem dar.

Uma das minhas curiosidades era o Alto de Molócué porque lá tinha estado durante um ano de voluntariado a minha paroquiana Vera. Testemunhei o belo trabalho que os elementos da ALVD lá foram fazendo ao longo dos últimos anos e continuam a fazer. Parabéns a todos os que contribuíram e continuam a contribuir para que esta missão possua as condições necessárias para o trabalho que lhe é pedido. Encontra-se lá neste momento o António que vai dando explicações sobre todas as matérias escolares e introduzindo os interessados no mundo da informática. Esta missão passou ainda há pouco tempo por um momento muito doloroso com o acidente que vitimou a Maria Arbona. Sabemos que a vida continua e senti que ela é recordada com muito carinho: rezam por ela pedindo que ela reze por eles junto do Pai da Vida.

Seguindo viagem chegámos à grande missão de Milevane que ao longo dos anos já foi palco de muitas cenas… Imagine-se que a casa enorme que já foi um seminário, também já foi um quartel durante a guerra civil. Actualmente prepara-se para receber os noviços da Província SCJ de Moçambique. É uma casa linda com belos jardins mas que obriga a uma manutenção constante e dispendiosa já que os tempos de guerra deixaram feridas muito grandes no edifício.

A última paragem desta visita relâmpago foi o Gurúè, terra do famoso chá e do Centro Polivalente Leão Dehon. É espantoso o belo trabalho que é desenvolvido por esta escola que para além da formação de novos profissionais realiza trabalhos de carpintaria e de arte que são requisitados de muitos lados de Moçambique. O Pe. Hilário, ajudado pelos Padres Claudino e Lázaro, está atento aos sinais dos tempos (as crises não aparecem só na Europa…) e vai orientando com prudência e sabedoria a autonomia económica da escola. Penso não cair em exagero ao afirmar que este Centro Polivalente é a maior empresa daquela região dando emprego a muita gente e, por isso, garantindo melhores condições de vida a muitas famílias. O Pe. Hilário não se cansa de agradecer à Província Portuguesa SCJ a ajuda e o apoio que sempre lhe prestou e que tornou possível que o sonho do Centro se tornasse uma realidade. Aprecia e admira muito o trabalho dos jovens voluntários mas sugere que no futuro se pense também em enviar gente mais avançada na idade: reformados ou pessoas que possam dispor do seu tempo e dedica-lo a esta causa do voluntariado. Informa que no Centro existem pequenas casas que podem ser ocupadas e que favorecem a estes possíveis voluntários uma vida mais independente da comunidade religiosa. Aqui fica o desafio: haja vontade de trabalhar que trabalho não falta…

Já em Lichinga, depois desta viagem, percebi a razão do entusiasmo e da alegria que os missionários, de passagem por Portugal, nos transmitiam quando eu era ainda uma criança no seminário. Só quem ama sem limites e se doa aos outros sem condições é capaz de construir as obras tão belas que eu tive a felicidade de ver e sentir.

Obrigado a todos os meus confrades moçambicanos e a todos(as) aqueles(as) que tiveram a ousadia e a alegria de partilhar um pouco das suas vidas comigo.

Padre José Manuel

terça-feira, 30 de agosto de 2011

MOVIMENTO DE VOLUNTARIOS ALVD A 25 E A 27 de AGOSTO

No dia 25 de Agosto, partiram para o Niassa - Cóbuè,  o grupo de Penalva do Castelo (P. José António, Lurdes e Sónia), assim como o duo de Lisboa (Catarina e Patrícia).




No dia 27 de Agosto regressaram os 10 lichinguenses com o P. José Manuel, todos sorridentes e felizes. Não acreditam? Perguntem aos dez.





E tu quando vais?

P. Adérito

terça-feira, 16 de agosto de 2011

3ª Crónica de Lichinga 2011

Otthuneya nthamwene, moshekuweliwa (= Caros amigos, boa tarde)
Aproveitando o tempo em que há electricidade e podermos usar a internet, aqui estamos nós, o já famoso grupo dos 10 lichinguenses, a partilhar com os nossos amigos o que vamos vivendo, vendo e fazendo neste cantinho do céu da província moçambicana do Niassa, plantado não à beira mar…, mas nas margens do grande lago com o mesmo nome.
Não foi notícia de 1ª página nos noticiários cá do sítio, mas bem podia acontecer que um bloco de informação tipo “Portugal em Directo” que passa na televisão portuguesa ao fim da tarde abrisse com a seguinte notícia: “Mitande nunca mais será igual...” E, depois continuaria a jornalista: com a chegada a Mitande de três portuguesas com os nomes estranhos de Joana, Gabi e Milu terminou a calma e o sossego nesta população tão conhecida pela sua pacatez. Elas não param, nem deixam parar… e com a sua alegria contagiante estão a fazer acções de formação às educadoras das escolinhas da cidade e a dinamizar toda a comunidade com o consentimento e ajuda do pároco e da comunidade de Irmãs que as acolhem.

Obedecendo ao projecto traçado em Portugal e que aqui, por vezes, é alterado e adaptado devido a tantos factores que só quem vem a África percebe partiram na passada 2ª feira para Massangula a Patrícia e a Paula. Ficaram por lá toda a semana e na ausência das Irmãs que as acolheram – estas foram encontradas em Lichinga a tratar de assuntos burocráticos - foram as nossas duas voluntárias que tomaram conta da residência: dormiam iluminadas por velas ou pela luz das pilhas que levaram consigo e tomavam as refeições na casa do padre da missão. As refeições têm muito que se lhe diga, pois há alimentos, costumes e sabores a que não estamos habituados. Assim, quando em Massangulo foi servido um determinado peixe que pela aparência não convenceu as nossas duas missionárias a Patrícia logo teve arte e engenho de confeccionar na altura um novo menu: esparguete misturado com alface !!!!). Isso mesmo que estão a pensar: estava uma delícia e o peixe ficou para quem por lá passasse mais tarde…
Quanto à escolinha e missão católica, pelas suas informações, há muitas necessidades. O lar que acolhe 40 adolescentes e jovens está com o tecto em risco de ruir. Precisa-se de quem possa ajudar a custear as obras de restauração já que o Estado não dá qualquer ajuda económica para estas instituições fundadas e alimentadas pela Igreja e pela boa vontade de tantos missionários e missionárias que procuram ir ao encontro desta parcela do povo moçambicano esquecido e ignorado por quem de direito.



D. Élio, bispo da diocese e também dehoniano, instituiu a bonita Igreja de Massangulo, construída pelos missionários da Consolata, como Santuário Mariano da Diocese. É uma Igreja muito bonita rodeada de um complexo de construções onde já funcionou uma carpintaria, uma escola, uma universidade e tantas outras valências.
Na mesma 2ª feira logo de madrugada – aqui o dia começa cedo – partiram para Marrupa o Pe. Zé Manel, o Ricardo e o Vítor conduzidos pela incansável Irmã Olívia. A missão era ir buscar a Telma e a Isabel. Foi um passeio espectacular pelo norte de Moçambique. O desejo era ver algum elefante, hipopótamo ou crocodilo, mas foram todos de férias e só conseguimos ver algumas famílias de macacos que faziam as suas macaquices ou atravessavam a estrada a correr. Não eram nada fotogénicos, pois nem davam tempo para podermos apontar as máquinas fotográficas…
A chegada a Marrupa foi uma surpresa muito agradável. Cidade pequena, mas muito limpa e organizada. A escolinha onde as nossas voluntárias trabalharam é “bué de fixe” e as crianças e as monitoras foram de tal simpatia que nos acolheram cantando as boas vindas. Houve quem ficasse sem palavras perante tanta sensibilidade e delicadeza.
A comunidade das Irmãs da Consolata, na hospitalidade que caracteriza os missionários, partilharam connosco o seu almoço e disseram-nos maravilhas do trabalho realizado pelas nossas Isabel e Telma. Estas estavam completamente enraizadas e até já tinham metido conversa com uns espanhóis que também por ali andavam. A Isabel continua a ser a nossa agente de “relações públicas”. Seguindo o ditado “em Roma sê romano” a Telma pô-lo em prática e pensou: em Moçambique sê moçambicana e assim já andava toda vaidosa de capolana. Outros objectos característicos e muito carinho foram-lhes presenteados numa festa de despedida que as comoveu e que as deixou na hora da partida com a vontade de lá voltar. A comunidade das Irmãs, assim como o pároco agradeceram muito e esperam que lá se volte o mais depressa possível.
A sua intervenção não se desenvolveu apenas na “Escolinha José Allamano”, mas também à comunidade em geral – pais, encarregados de educação e parceiros locais como a Rádio de Marrupa.
Soubemos também que houve um pormenor muito interessante nas noites desta estadia em Marrupa. Por volta das 22.00 horas a Telma e a Isabel eram visitadas por um barulho estranho. “Corajosas!?…” como são não se queriam assustar uma à outra: assim a Isabel “sofria em silêncio…” pensando que a Telma dormia e não a acordava para que esta não ficasse também com medo e vice-versa… Pelas suas cabeças passaram muitas leituras de tal acontecimento: Um rato? Um morcego? O vento? Um estranho? Alguém para as acalmar disse-lhes que talvez fossem “almas do outro mundo”…


À chegada a Lichinga ficaram hospedadas na casa episcopal onde ajudarão na catalogação dos livros para as bibliotecas e depois irão para a “Escolinha do SORRISO”.
O Ricardo e o Vítor continuam mergulhados nos livros que é preciso separar, catalogar e distribuir por kits que depois serão distribuídos pelas bibliotecas das escolinhas, paróquias e ESAM. Suspiraram de alegria quando souberam que iam receber a ajuda da Telma e da Isabel que durante o resto desta semana e antes de começarem um novo projecto na escolinha SORRISO. Verdade se diga que as montanhas de livros que ocupavam a sala de reuniões da casa episcopal foi desaparecendo paulatinamente para grande consolo de D. Élio que por aqui ficou esta semana e teve de improvisar outra sala para receber quem o procurava. Na próxima semana, os dois vão dar formação de informática para Metangula. O Ricardo quer ir trabalhar com os “meninos”, mas a altura chegará lá mais para a frente…
Como podem ler continuamos alegres, bem-dispostos, já sabemos umas palavras de macua, já comemos de tudo um pouco… e constatamos que o tempo está a passar depressa de mais.



Ekumi ya athu othene (= Saúde para todos). Os lichinguenses
Lichinga, 15 de Agosto de 2011

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

2ª Crónica de Lichinga 2011

Salama (=Bom-dia) pessoal


A nossa missão de voluntariado na diocese de Lichinga está a todo o vapor. Disseram-nos e pediram-nos que viéssemos para trabalhar e é isso que estamos a fazer com todo o empenho e entusiasmo.

As “más línguas!”… que dizem que viemos gozar umas férias estão enganados. Aqui trabalha-se de” sol a sol” e só se faz um intervalo para as refeições. Imaginem que o mercado cá do sítio fica muito perto da casa episcopal onde decorre a maior parte da nossa acção de formação e há voluntários que ainda não puseram lá os pés.



O Vítor e o Ricardo já desempacotaram todos os livros que chegaram de Portugal e que agora é preciso catalogar e colocar na biblioteca “ÁfricAmiga”. Eles levam a sua tarefa até ao fim e imaginem que até descobriram naquelas caixas de livros outros objectos tais bonés…

Agora que os livros viram a luz do sol vão ser classificados e colocados nas prateleiras duns armários que hão-de aparecer não se sabe de onde. Mas, está tudo sobre controle e eles, cobertos de pó, sorriem entusiasmados ao saber que todo este seu trabalho que é monótono e repetitivo vai ser de muita utilidade para esta cidade, sobretudo a geração mais jovem de Lichinga.

A Patrícia e a Paula terminaram na 5ª feira a sua formação às educadoras de infância das escolinhas. Foram quatro dias intensivos que começavam às 8.00 horas e iam até à hora do almoço. Da parte de tarde e à noite, depois do jantar, era vê-las a preparar a sessão do dia seguinte. O arranque da manhã (6 horas) só era possível à força do maravilhoso café que existe por estas terras onde é produzido e torrado em casa. Na análise e balanço da semana estava toda a gente feliz:



- as educadoras das escolinhas que agradeceram esta ajuda e apelaram à ALVD que nunca os esquecesse e que estas acções tivessem continuidade;

- as voluntárias Paula e Patrícia que sentindo que deram tudo o que tinham e sabiam ficaram com a certeza que receberam muito mais destas educadoras simples e humildes que as presenteavam sempre com um sorriso aberto e franco e partilharam com elas o que já se fazia no seu campo de trabalho;

- a Irmã Olívia, uma das grandes impulsionadoras destas acções, que vê nestas intervenções dos voluntários a possibilidade de levar mais qualidade ao serviço que é prestado aos mais pequeninos de Lichinga. No último dia, para que o encerramento fosse perfeito a coisa não se fez por menos: além de um diploma que certificava a participação neste curso houve bolo e sumo que a Irmã Olívia providenciou. Como se seguiu a máxima de que “somos todos amigos, mas cada um come “exima = massa de milho” em sua casa…” no fim deste aperitivo houve fotos, muitos beijinhos, troca de mails e outras coisas mais…



A Joana, Gabriela e Milu continuam ansiosas pela sua partida para Mitande o que aconteceu hoje, sábado. Mas elas são mulheres de garra e não deixaram os seus créditos de voluntárias por mãos alheias. Assim, deslocavam-se para o Bairro da Cerâmica todos os dias: da parte da manhã ensinavam português aos “meninos da rua” designação que não foge à realidade pois apareceram muitas crianças e adolescentes que nunca colocam os pés nas escolas e que tem como sua “universidade” a rua; da parte de tarde organizavam jogos e outras actividades que começaram a encher o grande largo que existe em frente à casa das Irmãs Reparadoras de Fátima. Mas a grande atracção era e é sempre a Patrícia com o seu cabelo louro. Por estes lados nem sempre se tem a possibilidade de ver uma loura ao vivo e em carne e osso… Todos lhe queriam tocar dizendo-lhe que tinha um cabelo muito lindo. Consta que ela foi penteada e despenteada vezes sem conta. Loura sofre!...




Quanto às nossas duas “marrupinas” que se encontram em terras de elefantes e macacos sabemos que está tudo bem pelas notícias que não são fáceis de obter devido à falta de rede telefónica. Elefantes ainda não viram nenhum, mas já tiveram um cheirinho a safari e selva com a presença de um macaco, galinhas, cabritos e outros animais selvagens do mesmo porte…

Estão encantadas com a escolinha onde estão a dar formação às educadoras e neste sábado em parceria com a rádio local e a paróquia de Marrupa vão fazer uma acção de informação mais abrangente com a comunidade local, de maneira especial com as “mamãs” da terra. Não fosse o vento daquelas bandas, durante a noite, fazer uns ruídos estranhos para quem vive num apartamento em Lisboa poder-se-ia dizer, por palavras delas, que estavam no paraíso.

O Pe. Zé Manel vinha preparado para promover encontros de reflexão sobre a Bíblia. Aqui mudou tudo do avesso: em vez desses encontros de dinamização bíblica vai sendo pároco na futura paróquia do Imaculado Coração de Maria, situada no Bairro da Cerâmica, e organizando manhãs de reflexão com as várias comunidades religiosas femininas que se encontram já em Lichinga.

Termino por aqui porque hoje o grupo de voluntários que está hospedado na Casa das Irmãs decidiu fazer o almoço. Não sei o que vai sair, mas que nos esforçámos, esforçámos…Kwaheri (=adeus). Dos lichinguenses

domingo, 7 de agosto de 2011

1ª Crónica de Lichinga 2011

Alô! Aqui Lichinga!
A aventura tão esperada e preparada ao longo de meses começou no dia 28 de Julho no aeroporto de Lisboa. Um a um foram chegando os 10 voluntários deste projecto Lichinga - 2011 acompanhados por amigos e familiares. Houve abraços, risos, boa disposição e também algumas lágrimas dos mais saudosos...
Depois de uma viagem de cerca de 11 horas chegámos a Maputo onde nos esperavam os Padres Ruffini e Abel que nos acolheram e nos livraram de tantos “samaritanos” que nos queriam levar as malas a troco de euros para a sua colecção… Da parte de tarde o Pe. Lázaro ofereceu-nos uma visita rápida à capital de Moçambique não esquecendo o lindo seminário dehoniano que existe em Matola.A noite foi aproveitada por alguns para visitar conhecidos que se encontram a viver nesta linda cidade. A maioria procurou colocar o sono em dia e não fosse uma “simpática osga” a obrigar a Paula a dormir no chão num quarto emprestado à última da hora poderíamos dizer que foi uma noite calma embora curta…
No dia 30 de manhã cedo, para variar…, partimos para a tão desejada Lichinga onde nos esperava o nosso bispo D. Élio Greselin com a sua tão característica simpatia e alegria. Como não somos de perder tempo (!) logo após o almoço “despachámos” a Isabel e a Telma para Marrupa aproveitando a boleia de uma das Irmãs da comunidade que as vão acolher e onde vão ficar cerca de duas semanas a trabalhar nas escolas daquela povoação no meio do mato.

No domingo (dia 31 de Julho), por sugestão de D. Élio, o restante grupo foi até Metangula com a possibilidade de ir visitar e mergulhar no famoso Lago Niassa. Realizou-se, assim, um dos “sonhos paralelos” dos nossos nadadores (as)… Foi uma experiência única a que só faltou o “sal na água” para pensarmos que estávamos em pleno oceano Atlântico…


No dia 1 de Agosto começaram as outras equipas as suas actividades com a excepção de Mitande (Joana / Gabriela / Milu) que só poderão ir para o seu destino no dia 6 de Agosto já que as Irmãs que lá vivem se encontram aqui em Lichinga num retiro espiritual.


Os outros começaram pela manhãzinha a conhecer o terreno que vão pisar nestes próximos dias e a colocar em prática os conhecimentos adquiridos e aprofundados nos meses de formação para esta missão de voluntariado. Assim, a Patrícia e a Paula logo pelas 8 horas tiveram o seu primeiro contacto com as educadoras de várias escolinhas da cidade. A sua preocupação, como de todo o grupo, não é a de dar uma simples aula académica, mas partilhar o que sabem e disponíveis para receber o que este simpático povo tem para oferecer: cultura, experiência de vida, acolhimento e muita alegria visível nos sorrisos que nos dispensam. Pelo seu lado o Vítor e o Ricardo já fizeram a análise e delinearam as prioridades para a organização das bibliotecas “ÁfricaAmiga” e da Casa Episcopal.
Chega de tanta crónica porque é preciso descansar e amanhã é outro dia de trabalho. Aqui só se dorme até às 6 horas da manhã porque somos toda gente trabalhadora…Os lichinguenses
Lichinga, 1 de Agosto de 2011

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Entrevista de Maria Santo para a Rádio Ecclesia‏

Há vários anos que Maria Santos guarda o brilho do testemunho de outros voluntários e hoje, com o filho de 18 anos na retaguarda a torcer pela mãe, prepara as malas para durante um mês dar formação a professores numa escola longínqua em Lichinga.

http://agencia.ecclesia.pt/radio/noticia_emissao_online.php?mediaid=2239

22-07-2011

Partida de 10 voluntários para Lichinga

Depois de uma celebração de envio no dia 25 de Julho no Seminário de Alfragide, partiu a 28 de Julho o grupo de 10 voluntários para Lichinga com o P. José Manuel. Na comitiva seguiam ainda a Ir.Olívia coordenadora em Lichinga e o P. Leandro com destino ao Alto Molócuè.


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Onde me acolheram em Lichinga‏

Amigos
Aqui em Lichinga fui carinhosamente recebida na Casa do Sagrado Coração de Maria das Irmãs Reparadoras de Fátima a quem agradeço na pessoa da Superiora, a Irmã Olívia.

Lichinga que deixarei na 3a.feira, rumo a Maputo mas, da qual já sinto saudades!

Estou muito GRATA a DEUS por me ter dado este PRESENTE e ponho-me nas SUAS MÃOS CHEIA DE CONFIANÇA, para continuar o caminho que ELE para mim traçou!  Eu acredito que, na VIDA nada é por acaso... todas as pessoas com quem me cruzo são uma aprendizagem fantástica, quer pela via da satisfação quer pela da dor. É através da dor que se aprende a não viver de ilusões mas sim, viver confiando e aceitando o maravilhoso presente diário de Deus. Muitas vezes tenho ouvido falar do momento, do aqui e agora mas, foi em Lichinga que o entendi, que o vivênciei realmente... SIM, SINTO-ME CHEIA INTERIORMENTE - REALIZADA! Não quero jamais esquecer este estado de ALMA, para poder regressar a ele sempre que chegarem os momentos menos bons.


Por tudo isto, não vai chegar a Portugal a mesma Margarida...

Com este privilégio de experiênciar tanta, tanta coisa que me tornou numa pessoa muito mais INTEIRA. Acho que irei demorar muito tempo a digerir todas estas aprendizagens. As minhas "baterias" estão carregadas desta energia tão especial, de emoções tão ricas, que certamente me farão carregar também todos aquelas pessoas com quem habitualmente trabalho e comvivo.

Um emocionado ABRAÇO CHEIO DE LUZ E AMOR da"Titia Guida"